BBB e os estigmas da loucura: Psicofobia em ação

Jussara R. Oliveira
3 min readFeb 8, 2021

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Imagem de um cenário criado para o BBB de 2020 imitando um manicômio

Saúde mental está em pauta nos últimos tempos em muitos espaços. Eu acompanho de perto todo debate com relação à população LGBTIA+, aos desafios da carreira científica no país e de toda população universitária, e tenho estado muito atenta também as questões da velhice e da pobreza associadas ao suicídio em tempos de vulnerabilidade social e financeira generalizada.

Daí estava com a falsa sensação que pelo menos uma doença ou outra, um sofrimento psíquico ou outro já estivessem minimamente desmistificados. Tanta gente falando de depressão, de ansiedade e até bipolaridade. Não é possível que a “loucura” fosse ainda tão estigmatizada no Brasil. Que a psicofobia se materializasse tão frequentemente.

Ledo engano. Depois de diversas polêmicas relacionadas ao recente lançamento da edição de 2021 do BBB, comecei a acompanhar para tentar entender mais profundamente o que estava acontecendo. Não estava botando fé no show de horror que pintavam do programa, porém foi exatamente o que encontrei.

Fazia tempo que não via tanto a loucura ser usada como ofensa, como xingamento, como forma de julgar precoce e negativamente a atitude de alguém.

E o público aqui de fora responde como? Distribuindo diagnósticos em quem eles “conhecem” apenas parcialmente, a distância e desde apenas umas poucas semanas.

[sarcasmo modo on] Se soubesse que tava tão fácil assim conseguir diagnóstico não pagava terapia todo mês! [/off]

A loucura é tratada como sinônimo de falta de carácter, imprevisibilidade, agressividade, teimosia. Cujo grau é determinado por quem julga e o diagnóstico se torna automaticamente irreversível.

Quando geralmente apenas quer dizer dificuldade de seguir normas sociais seja por sofrimento psíquico ou pelo simples absurdo que é se adaptar à violência cotidiana da realidade em que residimos.

Aliás, vale ressaltar que não tem nada de neutro nessas normas. Desde que mulheres insubmissas receberam um CID especifico, que a capacidade cognitiva de negros e indígenas foi questionada, evoluímos pouco.

Um homem negro de periferia não pode se mostrar ansioso ou perdido, mesmo em meio a uma bebedeira, porque isso vai ser automaticamente associado a agressividade.

Uma mulher negra não pode praticar violências (que ela mesmo admitiu estar reproduzindo) que já recebe os diagnósticos mais complexos e impossíveis de se desvencilhar.

Tudo isso em um ambiente que é sabidamente desenhado para “deixar as emoções a flor da pele”. Cheios de cores, luzes brancas, e falta de referências que pudessem dar alguma segurança para quem está naquele espaço.

Não acredito que isso justifique tudo. De forma alguma. Mas não acredito também naquele tipo de máxima que diz ser nos momentos de escassez ou de estresse que mostramos quem somos “de verdade”.

A complexidade do ser humano reside em tudo que mostramos, mas também no que escondemos, no que podemos suportar, mas também nos recursos que temos para lidar sentimental ou empiricamente a cada situação do cotidiano.

Saindo de cima do muro eu espero sim, que a Karol Conká e sua turminha perca todos prêmios e todo prestígio. Pois, ela demonstrou muito rapidamente que se usa de pautas das quais ela pouco conhece e menos ainda respeita para se promover. E estou desejando o maior carinho e amor do mundo para o Lucas Nogueira, independente de qualquer erro que ela tenha possa ter cometido no passado.

Só que, também acredito que a Karol Conká está recebendo um julgamento muito duro fora da casa. Por ser mulher e negra ela está quebrando a norma agindo como líder e algoz e isso gera uma potencialização dos julgamentos que ela está recebendo. Sobre sua sanidade inclusive! Enquanto outras pessoas agindo da mesma forma ou pior passam desapercebidas.

Vi muita gente projetando nela os sentimentos por terem sido agredidos em algum momento na infância. Tipo aquela galera que sai atacando atores e atrizes que vivem vilões de filme!

Queria mesmo é que a gente saísse desse BBB um pouco mais esperto com relação aos heróis e vilões que elegemos. E aos efeitos que o linchamento, presencial ou virtual, pode causar nas pessoas.

Vai ver a louca sou eu.

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