E se for ansiedade? O descaso no atendimento de crises ansiosas

Jussara R. Oliveira
6 min readJan 1, 2020

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Cansei de ser mal atendida por acharem que eu estou indo num pronto socorro por “só” estar com ansiedade.

Sintomas de crise de pânico. Fonte: https://www.tuasaude.com/sintomas-da-sindrome-do-panico/

Devido à doenças autoimunes, de tempos em tempos, tenho sintomas bem esquisitos e em 2019 esses sintomas se agravaram me levando ao pronto atendimento muitas vezes. Em TODAS elas, em algum momento, os médicos que estavam me atendendo sugeriram que talvez eu estivesse “apenas” com uma crise de ansiedade. Em alguns casos inclusive me receitaram/administraram calmantes.

Ok não espero que todos profissionais de saúde num atendimento emergencial saibam como gerenciar qualquer doença/condição rara ou complexa que nem tenha diagnóstico fechado ainda (papo para outro post). Mas essa repetição de cenário e um sorrisinho de canto de boca de muitos médicos têm me deixado cada vez com menos paciência para capacitismo e psicofobia.

Vejam... eu de fato tenho ansiedade, e algumas vezes quando tenho uma crise autoimune ela acaba vindo acompanhada de uma crise ansiosa. Afinal imagina do nada você ter sintomas incapacitantes que você não consegue encontrar a causa e nem gerenciar? Por exemplo em algumas crises eu tive enxaqueca que não passava por nada, uma indigestão muito forte que variava em enjoos e estômago estufado (os remédios para gastrite também não resolveram) e uma boca tão seca que me impedia de comer. Todos esses sintomas começando de forma intensa e súbita. Parece inquietante né? Pois então… Mas os sintomas iam melhorar com um calmante? De forma alguma. Tive que ativamente recusar eles em mais de uma situação em que estava com sintomas gástricos!?!? E em muitas das minhas crises o que eu mais precisava era apenas de hidratação na veia pois não tenho conseguido realizar ela propriamente por outras vias.

Mas, vamos lá: eu tenho Transtorno de Ansiedade Generalizada, geralmente citado com o acrônimo TAG. Convivo com ansiedade o tempo todo, o que gera às vezes um ou mais dos sintomas físicos:

  • Falta de ar, com sensação de asfixia;
  • Tontura e fraqueza;
  • Tremores;
  • Aumento da frequência cardíaca;
  • Aumento da produção de suor;
  • Sensação de calor ou suor frio;
  • Calafrios;
  • Sensação de desmaio;
  • Dor no peito ou no estômago;
  • Formigamento das mãos ou sensação de agulhadas na pele;
  • Boca seca;
  • Vontade de ir ao banheiro;
  • Zumbido nos ouvidos;
  • Pavor e medo de morrer;
  • Sensação de perda de controle sobre si próprio.

Já pensou que inferno sentir essas coisas? Só que: esses sintomas nunca estão todos juntos, não costumam ser tão intensos, costumam ser gerenciáveis em casa, e costumo conseguir identificar um gatilho psicológico atrelado à eles. E em quase todas crises têm um ou mais sintomas psicológicos muito marcantes atrelados, como: pensamentos negativos involuntários, grande fluxo de pensamentos, muita preocupação com cenários hipotéticos ruins, sensação de de que tudo vai dar errado, sensação de impotência, etc.

Crises muito intensas e frequentes com sintomas físicos marcantes podem ser na verdade síndrome do pânico, que precisa de acompanhamento especializado e diversos cuidados no atendimento de emergência. É um evento desesperador e difícil de gerenciar para quem passa e complexo de cuidar para quem faz o tratamento.

Só que muitas vezes que vou na emergência me tratam como se eu tivesse algo menor mesmo quando presumem que é uma crise de ansiedade ou pânico. E ainda agem como se estivesse buscando atenção, remédios ou atestados (já verbalizaram isso para mim inferindo coisas que não condizem em nada com a realidade). E tratam como se fosse frescura, um capricho. Atrelando inclusive à uma possível crise de hipocondria. E não como uma doença que precisa de tratamento (que também é o caso da hipocondria aliás).

Teve mês que estava indo de uma a duas vezes por semana para a emergência, se tudo isso fosse mesmo por crise de pânico ou ansiedade eu no mínimo preciava de mais atenção e o devido encaminhamento para o tratamento especializado, certo? E ter uma anmnese apropriada para esta condição. Com perguntas sobre meu histórico, qualidade de vida, tratamentos já realizados, acompanhamento profissional e etc.

Mas não, nadinha. NUNCA me perguntaram se eu fazia acompanhamento psicológico por exemplo (que eu faço) e só ficavam sabendo que eu tomo um remédio indicado para isso quando faziam uma pergunta mais genérica sobre qual medicação contínua eu tomo .

E sabe o que é mais grave? os mesmos sintomas atrelados à crises de pânico, que geralmente passam depois de um tempo e às vezes sem nenhuma intervenção, podem também ser atrelados à condições crônicas e agudas, algumas leves e simples de tratar (como falta de vitaminas ou desidratação — que eu tenho com frequência) até outras bastante complexas e que podem ser fatais, como um infarto.

Sintomas do infarto. Fonte: https://imeb.com.br/sintomas-de-infarto-dor-no-peito-nao-e-unico-sinal/

Isso quer dizer que eu acho que qualquer pessoa com formigamento e palpitação deva ser tratada como se tivesse tendo um infarto? Claro que não. Mas sim acredito que que devamos ter profissionais mais preparados, um tratamento mais humanizado e o devido acolhimento para que o diagnóstico e os tratamentos sejam mais efetivos.

No último atendimento que fui que foi antes da virada de ano ainda podiam falar da superlotação, desgaste dos profissionais, etc. Mas foi um ano inteiro tendo que lidar com a mesma situação com diversos profissionais tanto no atendimento público quanto no privado.

E conheço muitas histórias do tipo, principalmente quando o atendimento é com mulheres, com desenrrolar fatal até. Primeiro que os sintomas e fatores de risco para infarto em mulheres são diferentes e pouco divulgados. Segundo que rola um descaso mesmo por uma noção errônea de probabilidade com relação à evolução do quadro.

Os cientistas, cujos estudos são publicados na revista da Associação Médica do Canadá, constataram que, em média, os homens eram mais submetidos a eletrocardiogramas rápidos e desfibrilação do que as mulheres.

Os pesquisadores explicam esta diferença de tratamento pelo fato de que as mulheres costumam recorrer com mais frequência do que os homens ao serviço de emergência com dor torácica de origem não cardíaca.

Além disso, “a prevalência da síndrome coronariana aguda é menor entre as mulheres jovens do que entre os homens jovens”, disse a principal pesquisadora do estudo, Louise Pilote. Estes resultados, explicou, sugerem que o pessoal médico têm mais probabilidades de confundir um evento cardíaco nas mulheres com sintomas de ansiedade.

Fonte: http://g1.globo.com/bemestar/noticia/2014/03/infarto-em-mulheres-pode-ser-confundido-com-ansiedade-diz-estudo.html

Mas voltando ao assunto, se crises ansiosas/hipocondríacas fossem assim TÃO comuns nesses atendimentos para valer a pena duvidar das queixas de pacientes que poderiam ter algo sério, então estamos vivenciando um problema generalizado que precisa do devido encaminhando, certo?

E qual deveria ser este? Achei aqui um documento interessante com diretrizes para análise e acompanhamento de crises de ansiedade e queria destacar a recomendação de perguntas a serem feitas para o paciente com suspeita de estar em crise:

Anamnese

• Você se sente tenso ou ansioso? Você tem muitas preocupações?
• Você tem medo sem saber porquê?
• Você e seus familiares são de opinião que esses medos são realistas?
• Esse medo lhe causa limitações na vida cotidiana?

Em caso de suspeita de ansiedade ou transtorno da ansiedade perguntar:

• duração e evolução dos sintomas, duração e frequência dos ataques, gravidade dos sintomas, a quantidade do sofrimento subjetivo e disfunção social;
• situações em que ocorre a ansiedade;
• de quê o paciente tem medo;
• o paciente evita situações ou atividades devido ao medo;
• desencadeadores e relação com situações de estresse;
• sintomas físicos que acompanham e/ou antecedem a ansiedade;
• ações compulsivas e tempo que ocupam;
• abuso de álcool, drogas ou benzodiazepínicos;
• pensamentos ou planos suicidas;
• comorbidade: depressão, alucinações ou delírio, perda de memória.

O máximo que já me perguntaram era se eu não achava que eram “só” ansiedade. Sem ao menos me dizerem qual tinha sido o critério para acreditarem nisso. Percebem a diferença?

Aqui também tem um documento interessante de auto avaliação para quem lida com crises de pânico, a indicação é preencher esse documento antes de ir para um atendimento psicológico para facilitar/acelerar o processo.

Concluindo, acredito que devemos cobrar mais dos profissionais de saúde a devida atenção para lidar com crises de ansiedade e mais compromisso e transparência no momento do diagnóstico. Desmistificando doenças como a ansiedade, pânico, transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) e hipocondria, entre outros.

Eu faço minha parte buscando evitar tratamentos emergenciais, criando critérios para esses casos, dando preferência a marcar consultas com especialistas, fazendo tratamento para ansiedade e buscando uma rotina mais saudável. Apenas exijo a contrapartida da qual eu tenho direito.

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O que eu faço? depende do que você quer saber…

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