Neurodivergência no mercado de trabalho: Autista pode ser líder e comunicador? TDAH trabalhar no planejamento? Professor ser disléxico?

Jussara R. Oliveira
4 min readNov 17, 2023

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A resposta correta a essas perguntas é: sim, claro!

Pessoas conversando em um escritório. Imagem de Freepik

As perguntas do título te trouxeram dúvida ou reflexão? Então vem comigo que vou elaborar melhor esse tema.

Neurodivergente é o termo dado às pessoas que possui condições como: Autismo, Dislexia (condição que dificulta o aprendizado), TDAH , Síndrome de Tourette, Discalculia (condição que traz dificuldade com cálculos e números), disgrafia (condição que traz dificuldade na escrita), etc. São condições atreladas a um funcionamento neurológico fora padrão. Ou seja, não se tratam de doenças e não são condições que podem curadas ou revertidas completamente com nenhum tratamento. Fazer parte desses grupos significa que você pode enfrentar desafios muito específicos por toda sua vida.

Essas condições têm sido muito debatidas nas redes sociais e tem ganhado certa notoriedade nos espaços de discussão de diversidade e inclusão. Muitas pessoas estão enfrentando o estigma, e algumas como eu tendo finalmente o acesso a um diagnóstico completo, mesmo que tardiamente (os desafios aparecem ainda na infância, então um diagnóstico na idade adulta é considerado tardio). Mas ainda precisamos trabalhar muito para debater os desafios dessas pessoas, em especial no mercado de trabalho.

Vejo muitos relatos de pessoas neurodivergentes e pessoas com deficiência apontando como muitas vezes são barradas logo no início dos processos seletivos (seja por abrirem o diagnóstico ou por demonstrar dificuldades associadas) e acabam não tenho oportunidade de se desenvolver pessoal e profissionalmente. Por conta dos estereótipos atrelados a pessoas com essas condições.

O estereótipo atrelado ao autismo, por exemplo, se limita a dois extremos:

Em um deles pensamos no menino não verbal (que não se comunica oralmente) cheio de estereotipias (movimentos repetitivos), esse menino parece estar fadado a nunca se comunicar, evoluir ou crescer, no sentido amplo desses termos. No outro extremo temos o adolescente ou jovem adulto com uma superdotação intelectual, com estereotipias mais amenas e comportamentos metódicos (ou fora do padrão) que, em um contexto onde esses talentos podem ser colocados em prática e são “bem aceitos”. Onde suas características, geralmente consideradas como negativas, são relevadas em face das contribuições que eles podem trazer para pessoas neurotípicas (que não são autistas ou tdah).

Cabe pontuar que ambos personagens que moram no imaginário do senso comum são de meninos magros, jovens e brancos.

Temos alguns filmes e séries que retratam esses estereótipos, então isso acaba viciando nossa capacidade de extrapolar esses exemplos. E que por mais que de fato existam pessoas que se encaixem nessas descrições, a comunidade neurodivergente é muito mais ampla e diversa do que isso.

As dificuldades atreladas a cada diagnóstico podem variar muito em intensidade e formas de apresentação. A dificuldade de socialização do autismo pode, por exemplo, se manifestar como uma dificuldade de expressar emoções, ou com uma dificuldade de conduzir uma conversa que não seja relacionada a um tema de hiperfoco, ou ainda uma aversão a conversas triviais (small talk) mas nem todos os autistas vão ter dificuldades com todos esses ao mesmo tempo. Já a dificuldade de concentração no TDAH pode se manifestar, por exemplo, como dificuldade em se concentrar em temas que não são do seu interesse (TDAH também pode ter hiperfoco), dificuldade de iniciar ou finalizar projetos pessoais, dificuldade em leitura ou de acompanhar alguns tipos de mídias especificas entre outras, e o mesmo que foi dito das pessoas autistas vale para TDAH e as outras condições.

E muitos de nós conseguimos encontrar subterfúgios para lidar com essas dificuldades, seja apenas maquiando com uma camuflagem social (o que pode ser muito desgastante e prejudicial), seja com o uso de algum suporte, seja ainda com estratégias criativas usando dos recursos que temos. Cabe pontuar aqui, que assim como qualquer outra pessoa podemos evoluir, nos superar, e nos desenvolver. O ponto é apenas que isso não vai acontecer no mesmo ritmo nem da mesma forma que com pessoas que não fazem parte desses grupos.

Um exemplo que acho legal citar é da Carol Souza conhecida pelo canal Autistando (Que você pode conhecer aqui, aqui ou aqui) que, por exemplo, tem muita dificuldade com comunicação verbal e usa de comunicação alterativa trazer reflexões incríveis sobre Autismo e TDAH. Aliás, foi com um vídeo dela, que tem uma necessidade de suporte maior que a minha, que eu consegui compreender alguns desafios meus para me expressar nesse tipo de mídia.

Todo mundo vai enfrentar desafios durante sua trajetória, e mesmo os que enfrentam os mesmos desafios não vão fazê-lo ser da mesma forma.

Você pode muito bem já ter esbarrado em um desses profissionais em posições consideradas bem sucedidas e nem imaginar as dificuldades que a pessoa enfrentou até ali.

É necessário combater essa visão limitada das pessoas neurodivergentes ou com deficiência. Para podermos ter um ambiente de trabalho mais diverso, para não excluir as possibilidades de sustento e de futuro das pessoas, além de conseguirmos ter ambientes mais harmônicos e agradáveis para todo mundo.

Agora vou fazer uma outra provocação:

Tente imaginar a trajetória de uma pessoa Autista, TDAH com ansiedade generalizada e disgrafia.

Até onde essa pessoa conseguiu chegar nos estudos? Ela entrou no mercado de trabalho? Se sim, quais posições ela exerceu? Ela se destacou em outras áreas da vida?

Pois estou aqui brigando com a burocracia para fazer meu diploma do doutorado sair (quem já viviveu sabe, rs), buscando constantemente me reinventar nesses mais de 20 anos no mercado de trabalho, já ocupei posições de liderança formal e informal, e busco em tudo que eu faço abrir o caminho para que outras pessoas com desafios parecidos com os meus não passem pelas mesmas dificuldades.

Conseguiu imaginar algo parecido?

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Publicado originalmente no linkedin

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